
"Ele era triste e alto.
Jamais falava comigo que não desse a entender que seu maior defeito consistia na sua tendência para a destruição.
E por isso, dizia, alisando os cabelos negros como quem alisa o pêlo macio e quente de um gatinho, por isso é que sua vida se resumia num monte de cacos: uns brilhantes, outros baços, uns alegres, outros como um "pedaço de hora perdida", sem significação, uns vermelhos e completos, outros brancos, mas já espedaçados. Eu, na verdade, não sabia o que retrucar e lamentava não ter um gesto de reserva, como o seu de alisar o cabelo, para sair da confusão.
No entanto, para quem leu um pouco e pensou bastante nas noites de insônia, é relativamente fácil dizer qualquer coisa que pareça profunda.
Eu lhe respondia que mesmo destruindo ele construía: pelos menos esse monte de cacos para onde olhar e de que falar.
Perfeitamente absurdo.
Ele, sem dúvida, também o achava, porque não respondia.
Ficava muito triste, a olhar para o chão e a alisar seu gatinho morno."
[ Clarice Lispector ]
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